Lucas 14,1-6
Aconteceu que, num dia de sábado,
Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus.
E eles o observavam.
Diante de Jesus, havia um hidrópico.
Tomando a palavra,
Jesus falou aos mestres da Lei e aos fariseus:
"A Lei permite curar em dia de sábado, ou não?"
Mas eles ficaram em silêncio.
Então Jesus tomou o homem pela mão,
curou-o e despediu-o.
Depois lhes disse:
"Se algum de vós tem um filho ou um boi
que caiu num poço,
não o tira logo, mesmo em dia de sábado?"
E eles não foram capazes de responder a isso.
Homilia Na Solenidade de todos os Santos
Caríssimos irmãos e irmãs presentes neste Santuário e uma saudação muito fraterna a todos que acompanham a transmissão da missa dominical em honra de todos os santos e santas. A Igreja celebra hoje uma dimensão muito importante a ser lembrada a todos os batizados: o chamado à santidade. Também congregamos neste momento nossas intenções, pedindo a intercessão daqueles que já viveram e hoje se encontram no céu – os santos e santas que intercedem por nós.
Percebamos um pouco a primeira dimensão celebrada hoje, em um convite à santidade, especialmente pelas palavras de São João na primeira carta. No texto próprio da segunda leitura que ouvimos hoje, São João diz: "Vede que grande presente o Pai nos deu de sermos chamados filhos de Deus, e de fato o somos". Desde o momento em que fomos inseridos em Cristo pelo batismo e no mistério trinitário, temos garantida em nós a filiação divina. Somos chamados filhos de Deus, e portanto, a semente da santidade foi plantada em cada batizado.
Quando buscamos sempre vivenciar uma vida de santidade, São João ainda nos diz que, embora sejamos filhos de Deus desde o batismo, "nem sequer se manifestou o que seremos". Ele deixa claro que é sublime pertencer a Deus pelo batismo e buscar a santidade, mas esta plenitude ainda não se manifestou em nós, pois almejamos algo que se realizará no futuro. É preciso, portanto, esperar no Senhor, caminhar com Cristo e construir uma verdadeira santidade.
Mas onde estão os parâmetros para sermos santos e construirmos a santidade? Encontramos isto especialmente no Santo Evangelho. Algumas vezes já ouvimos a proclamação das bem-aventuranças aos discípulos e à multidão ao redor de Jesus. Eis o caminho para construir a santidade: pautar-se pelas bem-aventuranças.
No Antigo Testamento, a referência principal para ser santo estava no decálogo, nos dez mandamentos. O povo de Israel caminhava, e à luz daquele decálogo encontrava um caminho para o eterno. São Mateus, ao escrever seu evangelho, fez questão de mostrar ao povo da tradição judaica que Jesus é um novo Moisés – e até maior que Moisés – pois traz a plenitude da lei. Por isto, ao falar das bem-aventuranças, São Mateus mostra Jesus subindo o monte, que não é o Monte Sinai, mas o Monte das Bem-Aventuranças, onde são proclamadas as verdades de fé e o caminho de santificação. É Jesus que proclama cada uma das bem-aventuranças.
Quando estudamos as Sagradas Escrituras, muitos exegetas apontam as oito bem-aventuranças como um caminho a ser percorrido neste mundo. No caso de São Mateus, ele desdobra para uma nona bem-aventurança, ao falar da perseguição. Primeiro diz "Felizes são os perseguidos". Logo em seguida, ele reforça: Bem-aventurados são aqueles que, quando injuriados e perseguidos, encontrarem novamente na perseguição um caminho para construir a santidade.
Assim, quero chamar ainda a atenção para o desdobramento de uma nona bem-aventurança, destacando o caminho de perseguição próprio daqueles que buscam a santificação. E Jesus termina as bem-aventuranças de maneira esplêndida, com uma décima bem-aventurança, dizendo: "Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus".
Dessa forma, São Mateus percorre o caminho das bem-aventuranças e mostra ao povo judeu e a nós como construir a santidade. Portanto, não há outro caminho senão este: a vivência das bem-aventuranças, na plenitude da Lei e na orientação segura que nos guia neste mundo e para onde queremos chegar.
Nesse sentido, permitam-me repetir algo que já mencionei antes: alguns afirmam que se perdêssemos todos os textos bíblicos da Sagrada Escritura e um dia encontrássemos o capítulo 5 de Mateus – as bem-aventuranças –, não perderíamos nada da Sagrada Escritura.
Estamos, portanto, no coração da palavra de Deus proclamada como sentido pleno de construção da santidade. E é justamente caminhando à luz das bem-aventuranças que cada um de nós, enquanto batizados, constrói a santidade.
A Igreja tem insistido, nos últimos tempos, que a santidade não é algo a ser vivido apenas por aqueles com uma consagração especial na vida religiosa ou no sacramento da ordem, mas também precisa ser construída nas relações conjugais, onde os cônjuges se santificam mutuamente.
Foi um momento feliz para a Igreja quando testemunhamos a canonização dos pais de Santa Teresinha do Menino Jesus. Por trás de uma grande santa, doutora da Igreja, existiram pais tementes a Deus, agora reconhecidos oficialmente pela Igreja.
Que grande momento, também, ao perceber que a Igreja, em breve, reconhecerá oficialmente a santidade de um jovem adolescente, Carlo Acutis, que viveu em nossos tempos e testemunhou, de maneira extraordinária, aquilo que é ordinário em nossas vidas. Durante sua infância e adolescência, ele buscou a santidade por meio da oração do Rosário, da participação na missa e, principalmente, por atos de caridade. Ele era um jovem que pertencia a classe média-alta, de família abastada, isto não impediu que ele pudesse ser santo; pelo contrário, foi um santo que construiu sua vida e foi levado bem cedo para o céu. Ele mostra para os jovens e para nós o quanto é possível sermos santos nos nossos tempos. O santo, que conviveu com a era da internet, procurava até por estes meios evangelizar, levando no coração das crianças e dos jovens a mensagem de salvação em Jesus Cristo.
Procuremos construir esta santidade para que um dia façamos parte do grupo dos eleitos de Deus. Mas, já na liturgia, somos eleitos pelo Senhor. Eleição significa uma escolha de Deus. Começava a missa de hoje com uma saudação um pouco atípica, pouco utilizada na nossa liturgia: "Irmãos eleitos, segundo a presciência de Deus Pai, para a santificação do Espírito, para obedecer a Jesus Cristo e participar da bênção da aspersão do seu sangue. Graça e paz vos sejam concedidas abundantemente". Que bela é esta saudação, pois todos nós somos escolhidos e eleitos. Na liturgia, esta eleição significa que já fomos escolhidos pelo Senhor, e por meio da celebração antecipamos o que um dia visualizaremos e experimentaremos no céu.
Foi isso que São João também escreveu em seu Apocalipse. Se há um texto a ser lido, com certeza encontramos no livro de São João, nestas revelações, uma forma de entendermos um pouco do que celebramos na liturgia.
O próprio texto de hoje fala de uma visão de São João: ele vê um outro anjo que subia do lado onde nasce o sol, o lado do oriente, onde Cristo nasceu. Este anjo, que vem do lado do sol nascente, trazia a marca do Deus vivo, as marcas daquele que está presente em toda a humanidade. Este anjo, diz o texto, trazendo as marcas do Deus vivo, gritava em alta voz aos quatro anjos que tinham recebido o poder de danificar a terra e o mar, pedindo que isso não acontecesse.
Então, ouviu-se o número daqueles que tinham sido marcados e que não sofreriam nenhuma danificação do mundo: eram 144.000, diz o texto do Apocalipse. Mas será que é um número realmente a indicar somente um sentido numérico? É claro que não. Os 144.000 representam 12 (12 tribos de Israel) multiplicado por 12 (12 apóstolos) vezes 1.000 gerações. Ou seja, é a possibilidade da salvação para inúmeras gerações. E se há uma marca de santidade aos 144.000, é porque todos são chamados à santidade.
Depois, ele diz que viu também uma grande multidão, uma multidão que vinha de todos os cantos, de todas as nações, tribos, povos e línguas, e ninguém podia contar o número. Que bonito, porque é a expressão da Igreja santificada, mas ao mesmo tempo é a expressão do que nós vivemos aqui, pois somos a expressão da Igreja que busca a santificação. Estavam de pé diante do Cordeiro. Por isto, algumas vezes na liturgia permanecemos em pé, neste sinal de prontidão diante do Trono e do Cordeiro.
Diz o texto ainda que traziam vestes brancas, as vestes batismais; agora, a veste da pureza, a veste daqueles que se santificaram. Traziam palmas na mão, sinal de que também passaram neste mundo e construíram a santidade. Todos proclamavam as maravilhas com voz forte, que a salvação vem de Deus, que a salvação está diante do Trono.
Mas continua o texto: é uma antecipação do futuro, que acontece em nós todas as vezes que participamos da missa. Todos os anjos estavam de pé em volta do Trono, dos anciãos e dos quatro seres vivos.
Quando contemplamos em nosso Santuário estes anjos que estão a guardar não só o sacrário, mas também toda a parte da assembleia, a indicativa é esta: anjos em pé para que possam também indicar a condição destes anjos que estão de pé em volta do Trono e do Cordeiro, dos anciãos e dos quatro seres vivos, ou seja os evangelistas que aqui são lembrados e todos se prostravam por terra diante destes sinais e adoravam a Deus. Como tantas vezes adoramos o Cordeiro imolado que desce do céu. Cantavam o Amém, o louvor, a sabedoria, a ação de graças. Quantas vezes fazemos isto por meio da liturgia, antecipando uma liturgia celeste!
Mas eis que um dos anciãos falou com João, ele diz falou comigo, e perguntou: "Quem são estes vestidos de roupas brancas? De onde vieram?" É então que eu disse: "Tu é que sabes, meu Senhor". Então ele me disse: "Estes que vieram com roupas brancas vieram da grande tribulação; lavaram e alvejaram as suas roupas no sangue do Cordeiro".
De fato, a peregrinação neste mundo muitas vezes é uma grande tribulação, mas é preciso construir a nossa vida pautados no sangue, alvejando também as nossas roupas, para que um dia mereçamos a veste branca da salvação.
Se a liturgia nos possibilita isto é para que um dia todos estejamos unidos àqueles que já viveram por aqui e intercedem, celebrando a liturgia celeste. Esta é a segunda dimensão de todos os santos e santas de Deus que intercedem por nós.
Construamos a santidade de vida, reconheçamos sinais de santidade entre nós e não tenhamos dúvida: a fé da nossa Igreja é crer na comunhão dos Santos. Isso é fé, não é idolatria. Pedir a intercessão dos Santos é ter a certeza de que alguns dos nossos que viveram como nós, propensos ao pecado e ao erro, mas muitas vezes voltando o coração para Deus, alcançaram a santidade. Que eles intercedam por nós para que nunca desistamos, em meio aos tropeços da vida, de construir uma verdadeira santidade na identificação com Cristo e na proclamação das bem-aventuranças, plenitude da lei do Senhor. Assim seja. Amém.
Este texto foi transcrito, com algumas adaptações, da homilia proferida pelo Pe. Maurício na missa das 10:30h do dia 01/11/2024. Não passou por uma revisão gramatical e ortográfica profunda, mantendo a linguagem coloquial original
Escrito por: Pe. Mauricío